segunda-feira, 15 de julho de 2024

A reforma do Ensino Médio e a plataformização da educação – Por Heleno Araújo

"A questão central aqui é que essas plataformas tecnológicas são hoje, no Brasil e em grande parte do mundo, dominadas por grandes empresas": leia o artigo do presidente da CNTE, publicado na Revista Forum


Nessa semana, a educação brasileira viveu mais um ataque e retrocesso. A aprovação da proposta para o novo Ensino Médio pela Câmara Federal, desconsiderando boa parte dos avanços conquistados na versão aprovada pelo Senado a partir do relatório da senadora Dorinha (União-TO), revela os interesses obstinados e quase ocultos por trás daquele projeto.

Tudo isso começou ainda no ano de 2017: depois do golpe político contra a democracia brasileira, que se deu no afastamento da ex-presidenta Dilma Rousseff no ano anterior, o governo golpista de Michel Temer, em uma direção absolutamente oposta ao programa político eleito nas urnas em 2014, decide por meio da gestão de seu Ministério da Educação (MEC), comandado por Mendonça Filho (União-PE), impor via Medida Provisória (MP), uma reforma do Ensino Médio com profundas alterações curriculares no Brasil.

Como como no ditado popular, “pau que nasce torto, nunca se endireita”. Desde a edição da Lei 13.415/2017 (Reforma do Ensino Médio), o país passou por 4 anos de um governo de extrema direita, que intensificou a implementação daquela reforma da última etapa da nossa educação básica, e chegou até os dias de hoje, com a eleição de Lula em 2022 para o seu terceiro mandato como presidente, tendo essa mesma pauta no debate educacional.

As pressões sobre esse novo governo de Lula para a revogação da Reforma do Ensino Médio começaram já em seu primeiro dia de mandato, mas, apesar de um clima de mais diálogo e de representatividade instaurado no país a partir de 2023, rompendo com as trevas a que o país foi submetido em 4 anos de governo Bolsonaro, as resistências a enterrar de vez aquela reforma insistiam em persistir, mesmo no novo governo de Lula.

Tratava-se mesmo daquele tipo de proposta que, mesmo com as denúncias e mobilizações sociais de amplos e majoritários setores da sociedade civil organizada e do movimento educacional brasileiro mais identificado com um modelo de educação emancipador, insistia em se impor sobre todos.

A luta política que se travou para a revogação daquele modelo de ensino médio se deu nas ruas e no Parlamento brasileiro. A intensa disputa sinalizou o momento em que a pauta da revogação total deu lugar aos esforços de melhoria daquela proposta, diante de um quadro de opinião pública que, se consolidando, forjou a ideia na sociedade que o Brasil precisava mesmo de um novo ensino médio, e aquele antigo não interessava mais a ninguém.

Com o debate travado no âmbito do Congresso Nacional, a primeira surpresa não demorou a chegar: a escolha do nome do relator da matéria na Câmara Federal, um deputado muito ligado à proposta original daquela reforma que o país rechaçou.

O então ministro da educação de Michel Temer, lá em 2017, e hoje deputado federal Mendonça Filho, foi o nome escolhido. Quando o seu substitutivo chegou ao Senado Federal recebeu por lá inúmeras melhorias em seu texto, tendo a senadora Professora Dorinha tido muito mais sensibilidade para ouvir a sociedade brasileira e o seu movimento educacional.

De nada adiantou o esforço de escuta feito no Senado. Ao retornar para a Câmara, o ministro do governo golpista, hoje travestido de relator da matéria que era alvo das mudanças propostas, o que, diga-se de passagem, causaria constrangimento em qualquer pessoa, retrocedeu nas principais e mais centrais questões que no Senado foram incorporadas por Dorinha. De surpresa e supetão, colocou para votação em plenário na última terça-feira, dia 9 de julho, em regime de urgência.

A pista que fica sobre os porquês dessa obstinação persistente dos representantes do golpismo e da direita brasileira só pode estar dentro dessa proposta de novo ensino médio. E é a partir dela que temos que encontrar os motivos da insistência dessa elite concentradora de renda em querer aprová-la a qualquer custo, mesmo sob os marcos e também a anuência de um governo de esquerda, ou de parte dele.

A falta de coragem e de iniciativa em ter revogado ainda nos primeiros dias do governo Lula todo o entulho autoritário e golpista, representado por aquela proposta de reforma do ensino médio de Mendonça Filho e Michel Temer, cobrou o seu preço agora.

E qual é um dos principais motivos dessa proposta ter tido tanta sobrevida? A divisão curricular em uma parte comum e outra diversificada indicada na Lei 13.415/2017, que foi o resultado daquela Medida Provisória do começo de 2017, permitia que grande parte dos itinerários formativos (que era justamente a parte diversificada do novo currículo proposto pela reforma) fosse oferecida de forma remota. E como isso poderia se dar se não pelo uso de plataformas tecnológicas de educação a distância, hoje dominadas pelos setores privados ávidos de abocanhar os recursos públicos da educação.

O fundo desse debate sobre a plataformização da educação é que existiria uma necessidade no mundo moderno de se lançar mão e uso das tecnologias educacionais. E é claro que todos e todas precisamos de tecnologia e ela pode, sim, ser usada e incorporada nos processos educacionais.

A questão central aqui é que essas plataformas tecnológicas são hoje, no Brasil e em grande parte do mundo, dominadas por grandes empresas. E aqui é a chave da nossa questão. Que tal se parte do orçamento da educação, que em 2023 foi de quase 10 bilhões de reais, fosse canalizada e direcionada para as mãos daquelas grandes empresas?

De fato, são esses os interesses ocultos que moveram os atores a aprovar de forma perseverante e persistente esse “novo” ensino médio. Se tivéssemos no país plataformas tecnológicas públicas usadas nas nossas escolas, como poderiam eles quererem capturar esse volume imenso de recursos?

Em nosso próximo artigo, vamos aprofundar o debate do programa Escolas Conectadas paraTodos (da parceria entre o Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID), relacionando com a plataformização educacional que, de forma pioneira, já começa a acontecer nos estados do Paraná e de São Paulo.

A busca permanente da elite do dinheiro em sucatear a nossa e ducação pública, mas com um discurso que envolve os governos estaduais e parte da sociedade de se ter internet e tecnologia nas escolas, será nosso fio condutor para continuarmos nesse papo. Até lá!

Artigo escrito pelo presidente da CNTE, Heleno Araújo, para o site da Revista Forum.

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