Texto: Francisco Aurélio
Articulista do site A Vírgula
A resposta à pergunta é: a extrema-direita, os bolsonaristas, os olavistas e os extremistas religiosos, sempre mal-informados, pois, se tivessem lido a obra de nosso principal filósofo da educação e conhecessem a realidade da formação e da atuação de nossos professores, não os responsabilizariam pelos maus índices de nossa educação. Meu dentista aproveita que estou com a boca-aberta para criticar a pedagogia de Paulo Freire; o motorista do úber diz que não deixaria a filha entrar na Ufes, dominada por um bando de esquerdista; a colega escritora diz que a universidade só prestou na época da ditadura militar; o vereador quer fazer uma estátua de Olavo de Carvalho paga com dinheiro público; o barbeiro diz que “o povo acordou”, quando reclamava das motociatas do governo anterior. Enfim, tudo de ruim é imputado ao filósofo Paulo Freire pelos extremistas da direita brasileira, nestes tempos obscuros.
No último censo de educação realizado no Brasil, em 2019, o curso de Pedagogia foi o que mais formou profissionais, num total de 124 mil e quatrocentos pedagogos, ou seja, pessoas legalmente habilitadas para atuar na Educação, em suas diferentes especialidades. Em 2023, mais de 800 mil pessoas se matricularam nesse curso, a maioria na modalidade de Ensino a Distância. Espera-se do egresso do Curso de Licenciatura do Curso de Pedagogia saber, fundamentalmente, atuar como um agente de transformação social, consciente do conhecimento como um valor de si mesmo e da sua construção permanente e imbricada ao ideal da educação humanística. Portanto, o pedagogo precisa ser conhecedor do processo educativo formal e não formal, em seus múltiplos aspectos: filosófico, antropológico, sociológico, psicológico, pedagógico, ético, cultural, estético, além de conhecer a escola como organização complexa que tem, como uma de suas funções, a promoção da educação para a cidadania. Ele deve, ainda, ser um profissional que atue como docente na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação de Jovens e Adultos e em disciplinas pedagógicas dos cursos de nível médio, na modalidade normal e na Educação profissional; bem como nas áreas de serviços e apoio escolar; no planejamento, execução e avaliação de programas e projetos pedagógicos e em ambientes não-escolares. Escopo bem ambicioso, não é mesmo? e impossível de ser alcançado em apenas quatro anos de escolarização. Daí a necessidade de uma formação continuada, pelo resto da vida profissional.
Na Resolução do Conselho Nacional de Educação de 2006, que institui diretrizes curriculares nacionais para os cursos de Graduação em Pedagogia, não existe nenhuma referência a Paulo Freire. Por que, então, essa obsessão bolsonarista em incriminá-lo pelas mazelas nacionais? Em primeiro lugar, porque, em plena ditadura militar, ele revolucionou o processo educacional, indicando aos alfabetizadores que a leitura da palavra deveria ser junto com a leitura do mundo. Na época, as cartilhas de alfabetização se iniciavam com as palavras: Ave, Eva, Ivo, Ovo, Uva. E as frases: A Ave voa. Eva viu o Ovo. Ivo vê a uva. O Brasil tinha uma população de 40% de analfabetos e a maioria das escolas não oferecia merenda, transporte escolar, livro didático, quadra de esporte, biblioteca ou laboratório. A minha, uma escola rural, no Caparaó, nem banco para se sentar. Fui alfabetizado no chão, com o caderno no colo. As professoras faziam milagre para ensinar.
Foi nesse contexto que surgiu Paulo Freire (1921-1997), educador e filósofo brasileiro, um dos mais notáveis pensadores mundiais da história da educação, ao propor uma educação dialógica, que busca desenvolver uma consciência crítica nos educandos, desde o processo de alfabetização. Seu livro “Pedagogia do Oprimido” é um dos mais citados no mundo, na área das ciências sociais. Sua obra se iniciou com analfabetos pobres, em Recife, em 1961, quando realizou as primeiras experiências de alfabetização popular entre os cortadores de cana-de-açúcar. Seu ‘método de alfabetização’ se baseia em palavras que fazem parte do cotidiano do educando. Por suas ideias, foi perseguido pela ditadura militar, sofrendo um exílio de quinze anos.
Aos doze anos, fiz meu primeiro curso de alfabetizador, e comecei a alfabetizar adultos, cujo principal objetivo era aprender a escrever o próprio nome. Assim, satisfazendo-lhes o desejo, comecei a ensinar-lhes o próprio nome, João, José, Maria, Carolina de Jesus, e não mais o Ivo e a Eva da cartilha. A partir de seus nomes, aprendiam a escrever outros como panela, comida, fome, feijão, café, milho, arroz, os substantivos essenciais de sua vida severina. Daí para frente, não parei mais de ensinar e de aprender com os educandos a difícil arte de ler, paulofreiramente, o nosso mundo tão injusto e contraditório.
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