Escrito por: Ricardo Nunes de Mendonça e Jane Salvador de Bueno Gizzi, na CUT-PR
No último sábado (11) entrou em vigor a Lei 13.467 de 2017, mal apelidada de reforma trabalhista. Reforma significa mudança com o propósito de melhora, de aprimoramento; no caso da lei em referência as alterações implicarão severa precarização dos direitos sociais dos trabalhadores, ou seja, aumento da informalidade, do subemprego, das desigualdades sociais e da pobreza. Os trabalhadores deverão trabalhar mais para ganhar menos.
O mais coerente é chamar essa lei de contrarreforma – já que é a resultante de um estado de exceção que se instaurou no Brasil com a ruptura da ordem democrática e com o triunfo da racionalidade neoliberal – porque construída sob três pilares: i) a precarização dos contratos individuais de trabalho; ii) a dificuldade do acesso à Justiça do Trabalho; iii) a fragmentação da solidariedade de classe e o enfraquecimento dos sindicatos.
Adiante, se listarão as cinco principais mudanças que impactam na vida dos trabalhadores.
A primeira é a ampliação de contratos precários com a adoção, por exemplo, de terceirização em todas as atividades da empresa; trabalho intermitente; teletrabalho; e part-time (trabalho a tempo parcial).
O que esses contratos têm em comum é que, na prática, significam a legalização do “bico”, que por sua natureza, reduz os salários, aumenta a insegurança, exige mais tempo de trabalho em detrimento do tempo de vida (este entendido como o destinado ao descanso, à socialização do indivíduo, ao convívio familiar, ao crescimento pessoal, etc).
A segunda refere-se aos limites da duração do trabalho, ampliados de forma significativa.
O teletrabalho é um dos exemplos mais graves de desrespeito e de flexibilização da jornada, na medida em que retira do empregado a proteção legal pertinente. Não terá, por exemplo, direito às horas extras, adicional noturno, intervalos de descanso, nem mesmo semanais.
O Banco de horas, na lógica da nova lei, pode ser feito diretamente com o empregado, sem a presença do sindicato. A despeito da inconstitucionalidade da mudança, na prática haverá diversas empresas que submeterão os empregados a jornadas extenuantes, com compensação em prazos longos (até seis meses), sem verdadeira paridade de negociação, e atendendo apenas os interesses da empresa.
A jornada sob o regime de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso foi legalizada. Se antes uns poucos Acordos Coletivos firmados por algumas categorias previam trabalho superior ao limite legal diário (8h), com a mudança qualquer empregador poderá se valer desse expediente para intensificar a apropriação da mais valia, exigindo mais trabalho com quadro reduzido de empregados. A jornada ampliada, sem dúvidas, desrespeita normas de saúde e segurança do trabalho e aumentam o risco de acidentalidade (consideradas, neste conceito, também as doenças do trabalho).
Seguindo a lógica de desrespeito às normas de ordem pública, a nova lei passa a autorizar a redução do intervalo destinado ao descanso e refeição, de uma hora para 30 minutos (em jornadas superiores a 6h diárias), ainda que apenas por meio de negociação coletiva. Ignorou-se o fato de que a janela de tempo antes prevista tinha por finalidade repor as forças físicas e mentais do empregado, de maneira a evitar afastamentos do trabalho.
A terceira alteração restringe sensivelmente o acesso à Justiça, instituindo mecanismos que objetivam inibir e afastar o trabalhador da Justiça do Trabalho; exemplos disso são:
a) a previsão de quitação anual de direitos do empregado que, não poderá, em tese (esse, ao menos é o espírito da lei) ser questionada judicialmente;
b) a necessidade de ser atribuir valor monetário a cada um dos pedidos formulados na ação;
c) a restrição de concessão de Justiça Gratuita apenas aqueles que recebem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, ressalvadas as hipóteses em que o indivíduo comprovadamente não puder pagar;
d) a sucumbência recíproca, condenando-se as partes (inclusive o empregado) a pagar honorários ao vencedor, incidente sobre o proveito econômico por este obtido (com base no valor que foi atribuído ao pedido);
e) o processo se tornará mais caro e mais demorado, já que os prazos processuais passarão a ser contados em dias úteis.
A quarta modificação atinge a estrutura do Direito Coletivo do Trabalho, com impactos diretos para toda a classe trabalhadora. A nítida intenção de enfraquecer os Sindicatos transparece do texto da lei, em diversas passagens: a) ao extinguir o imposto sindical, atualmente um dos meios sustentação das entidades de classe; b) ao mesmo tempo, manter o modelo de organização sindical (por categorias), já ultrapassado, e que não permite o amplo exercício da liberdade sindical (por exemplo, com representação por ramos de atividade); c) ao instituir contratos precários que afastam os empregados do Sindicato e dificultam o acesso deste à sua base de representados, sendo seus maiores expoentes o trabalho intermitente e o teletrabalho; d) ao terceirizar mão de obra de forma a esfacelar o sentimento de solidariedade de classe, alienando e alijando o trabalhador do anteparo que sua entidade de classe, em melhores condições de paridade com seu empregador, pode lhe oferecer.
E a quinta alteração é o que se convencionou chamar de “negociado sobre o legislado”. A reforma prevê que as convenções e acordos coletivos de trabalho podem afastar direitos e garantias previstas em lei quando empregadores e empregados assim desejarem.
Não seria, propriamente, uma mudança ruim para os trabalhadores se fosse acompanhada de uma reforma no sistema sindical que garantisse liberdade, autonomia e representatividade para os sindicatos. Não é, todavia, como se disse, a proposta da reforma.
Nesse cenário de tentativa de dominação da classe trabalhadora pela classe patronal, o uso da negociação coletiva para retirar direitos e garantias conquistados por meio de luta, precisa ser combatido para que o retrocesso não seja ainda maior do que o implementado pela lei.
Todas as alterações tratadas acima colidem com o modelo de Estado Social e Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal de 1988. Ofendem normas internacionais de Direitos Humanos que o Brasil é signatário.
O mundo do trabalho será aquilo que os trabalhadores forem capazes de construir, resgatando, por primeiro, a solidariedade e a identidade de classe, para, em conjunto, estabelecer processos de luta por dignidade.
O enfrentamento se dará nas ruas e o resultado dessa correlação de forças entre capital e trabalho definirá o alcance da contrarreforma.
*Ricardo Nunes de Mendonça é advogado e mestre em Direito pela PUC-PR e pela Universidadede Pablo de Olavide, na Espanha.
Fonte: CUT Brasil
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