domingo, 22 de maio de 2016

EM ALAGOAS, PROFESSORES SÃO IMPEDIDOS DE DAR OPINIÃO


O projeto de lei Escola Livre, que deve entrar em vigor em breve em Alagoas, prevê mudanças na postura dos professores da rede pública estadual. Eles serão impedidos de dar opinião, mantendo "neutralidade" política, ideológica e religiosa na sala de aula.

O governador Renan Filho (PMDB) chegou a rejeitar o projeto, mas a Assembleia Legislativa derrubou o veto.

Mesmo assim, as discussões sobre o assunto estão longe de acabar. A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) pediu ao governador para que a Procuradoria-Geral do Estado entre na Justiça contra a lei, alegando a inconstitucionalidade.   


Veja perguntas e respostas sobre a lei:

Qual é a justificativa do projeto?
Em seu site, o autor do projeto, deputado Ricardo Nezinho (PMDB), diz que ele é necessário para que o professor não expresse sua opinião dentro da sala de aula e, assim, seja imparcial. O texto pretende manter a pluralidade de ideias na escola.

 
Deputado Ricardo Nezinho (PMDB), autor do projeto "Escola Livre"


"É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes e determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis", diz o primeiro parágrafo da justificativa.

No item VII do artigo 1º do projeto, ele cita como princípio da proposta o "direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica".

A reportagem do G1 tentou entrar em contato com Ricardo Nezinho para esclarecer alguns pontos que geraram polêmica. Foram mais de 15 ligações para o celular de Nezinho, mas ele não atendeu.

O que muda no ensino em sala de aula?
Com a nova lei, professores de disciplinas que abordam questões políticas, religiosas e ideológicas em geral estão proibidos de expressarem opiniões dentro das salas de aula. O texto não cita nenhuma disciplina em específico. 


Segundo o artigo 2º, "é vedada a prática de doutrinação política e ideológica em sala de aula, bem como a veiculação, em disciplina obrigatória, de conteúdos que possam induzir aos alunos a um único pensamento religioso, político ou ideológico".

Se a escola tiver uma disciplina facultativa que trate dessas questões, os pais deverão autorizar a frequência dos alunos.

O que os professores estarão proibidos de fazer?
 
- Não devem "abusar da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para qualquer tipo de corrente específica de religião, ideologia ou político-partidária";


- Não devem favorecer nem prejudicar os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas;

- Não poderão fazer propaganda religiosa, ideológica ou político-partidária em sala de aula nem incitar os alunos a participar de manifestações, atos públicos ou passeatas;

- Ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, deverão apresentar aos alunos as principais "versões, teorias, opiniões e perspectivas", concordando ou não com elas;

- Não devem introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos em conflito com os princípios da lei.

Os professores farão algum treinamento para se adequar?
 

O projeto diz que a Secretaria Estadual de Educação deverá promover cursos de ética do magistério para os professores da rede pública, abertos à comunidade escolar, a fim de informar e conscientizar os educadores, os estudantes e seus pais ou responsáveis, sobre os limites éticos e jurídicos da atividade docente.

As regras valem para escolas públicas e privadas?
Não, apenas para as da rede estadual de Alagoas, mas também cita as escolas confessionais.


Como fica a situação de escolas ligadas à igreja e organizações?
 
Segundo o texto do projeto, as escolas confessionais, que têm práticas educativas orientadas por concepções, princípios e valores morais, religiosos ou ideológicos, deverão explicitar isso no contrato de prestação de serviços educacionais.


Segundo a lei, esse documento será imprescindível para a matrícula e deve conter a assinatura dos pais, autorizando que os filhos tenham contato com determinados princípios, valores e concepções.

Professores que descumprirem a lei serão punidos?
 
De acordo com o artigo 7º, os servidores públicos que transgredirem a lei "estarão sujeitos a sanções e às penalidades previstas no Código de Ética Funcional dos Servidores Públicos e no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civil do Estado de Alagoas".


Segundo a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), no caso de alguma irregularidade, a Secretaria Estadual de Educação deve abrir um processo administrativo, a ser analisado pela PGE.

As punições do processo podem ir de uma advertência até a exoneração do servidor, dependendo do julgamento.

Quem vai fiscalizar?
 

O projeto afirma que cabe à Seduc e ao Conselho Estadual de Educação de Alagoas fiscalizar o cumprimento da lei.

O que dizem os educadores e alunos sobre o projeto?
 

A lei não agrada educadores, intelectuais e alunos, quem temem censura no ambiente escolar. A categoria protestou em frente à Assembleia Legislativa durante a sessão de votação do projeto.
 
O cientista social e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Emerson Oliveira diz que o “Escola Livre” é um contrassenso à educação.
“Alagoas tem os piores indicativos do país, e a Assembleia acha que vai resolver o problema assim? Não discutindo sobre os principais problemas? O estado tem a taxa mais alta de crimes contra homossexuais do país, como não discutir isso em sala de aula? Como não discutir também a religião, se Alagoas é um dos estados com maior número de manifestações de matriz africana?”, questiona Oliveira.

O cientista social acredita que há um desconhecimento histórico grande por parte da bancada parlamentar. “O projeto de lei é legitimado e aprovado por pessoas que desconhecem as questões de ensino. Isso é um despreparo muito grande por parte dos deputados.”

A presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (Sinteal), Consuelo Correia, diz que um documento elaborado pelos educadores foi entregue aos deputados questionando a ideia de neutralidade do professor.

"Se for aprovada [a lei], os pais podem interferir no fazer pedagógico da escola, questionar o que é ensinado em sala e até 'pedir a cabeça' dos professores, que passarão a ser monitorados. Quem descumprir o que diz a lei pode ser punido administrativamente", afirma.

Quem defende o projeto?
 
Religiosos e integrantes do Movimento Brasil Livre são a favor do projeto. Eles acreditam que com a lei, o professor vai poder falar sobre várias correntes políticas e religiosas durante as aulas sem favorecer alguma específica.

“O projeto é o contrário [do que alega o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas]. Ele prevê justamente a ampliação do debate, que ele não seja monocrático. O debate não tem um viés nem político, nem religioso. O professor, quando for passar um assunto ao aluno, vai passar todas as correntes, vieses políticos e religiosos dentro da escola pública”, afirmou o integrante do Brasil Livre, Alessandro Gusmão, à reportagem da TV Gazeta.

O arcebispo de Maceió, Dom Antônio Muniz, diz que a lei vai ajudar na propagação católica a respeito do ensino. “Estamos lutando favoravelmente aqui em Maceió desde quando o plano diretor entrou em discussão na Câmara de Vereadores. O Escola Livre vem ajudar na formatação do que a igreja pensa de como deve ser a educação nas escolas de Alagoas".

FONTE: PORTAL G1

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